28 de julho de 2013

A mediocridade que assombra

Imagem: Google

Vez por outra vejo algum texto ou artigo meu circulando pela rede mundial sem citação ou crédito. Em geral não me irritam, ignoro.

Quase sempre são blogueiros que gostaram da mensagem ou sabe-se lá do que. Não me importo.

No entanto, quando vejo um texto meu circulando por sítios especializados em mídia, marketing e vendas motivacionais -- não sei o que é isso -- por “profissionais” que se dizem especializados na escrita, pós-graduado na USP ou em outras universidades de renome, sem ao menos dizer que copiaram e de onde, fico realmente espantado.

Quando esse texto exprime o que senti em um determinado momento, que pode até fazer sentido pra ele, mas que em hipótese alguma ele sabe o real significado, é assustador.

Sempre disse que plagiar é passar um recibo de incompetência e mediocridade.

Como exemplo comparem os textos “O tempo leva tudo” e seu quase homônimo “As ondas da sabedoria nas areias do coração”. Até que gostei mais do texto do meu leitor, confesso, mas não é esta a questão.

Seria muito interessante ler a tese que tais medíocres defenderam na universidade. Tenho certeza que acharia inúmeros colaboradores que jamais sonharam colaborar.

9 de julho de 2013

Eu sou uma opção



“Não trate como prioridade quem lhe trata como opção”.

Imagem: Google

Vejo sempre nas listas dos livros mais vendidos obras de auto ajuda, para pessoas “fracas” ficarem “fortes”. Certo que a força está dentro de nós, como diria Gene Roddenberry, de Jornada nas Estrelas, e todos podem exteriorizá-la, basta querer. No entanto, usar uma frase batida, quase sem sentido, para explicar, replicar e mascarar NOSSOS problemas, não tem cabimento. Para estes casos aconselho outro tipo de obra, auto enganar.

Pensemos: se você não é uma opção, logo é uma obrigação. É isso o que me vem à cabeça quando leio a frase “não trate como prioridade quem lhe trata como opção”. Essa é uma daquelas frases que ninguém sabe bem de onde surgiu, mas repete como um mantra que suaviza as dores do amor não correspondido.

Não suaviza. O amor se foi, não use respostas prontas para não precisar tentar entender o porquê, apenas para criticar o alguém ou mesmo não se auto criticar. Ser opção é uma coisa boa.

Eu sou uma boa opção? Essa deve ser a pergunta a se fazer.

Que mais e mais pessoas passem por você, escorreguem por entre os seus dedos, mas que jamais fiquem ao seu lado por falta de opção.

1 de julho de 2013

Delonga chegada!

Estou cansado. Muito cansado.

Parece que o mundo parou de girar. Ele agora está inerte.

Me sinto um parasita inebriado por um vapor de veneno borrifado por alguém que não me queria por perto.


Tudo está calmo, porém nebuloso. Obscuro.


Sou como um maratonista que foi o último a cruzar a linha de chegada.

Sem ninguém para me consolar. Ninguém para me oferecer um gole d'água para saciar minha sede.

Todos se foram. Foram todos aplaudir aos vencedores. E eu, o último, estou a mercê da própria sorte.

Se a vida foi feita para vencedores, não foi feita pra mim. Estou de passagem, como todos, mas minha poltrona é desconfortável.

Longe de qualquer visão panorâmica da beleza da estrada. Resta-me apenas esperar o ponto final.

A descida desse transporte, que nenhum prazer me ofertou senão a esperança da chegada.

Óh, bendita e delonga chegada!

2 de junho de 2011

Desafio aceito! (Desafio Literário)

Ao retornar ao Dihitt me deparei com diversas postagens deliciosas de ler.

Algumas me provocaram a comentá-las, outras evitei por serem polêmicas demais para meu atual estado de espírito.

Dentre as postagens que adorei foi o Desafio Literário no “Blog de Poesias Infinito Particular”, da professora Malu, que, por sua vez, recebeu da Sandra Portugal do blog “Projetando Pessoas”, que recebeu de uma amiga portuguesa Mafalda do blog “A felicidade é o caminho”. É um negócio viral essa coisa de blog! rs*

Enfim, o desafio consiste em responder algumas perguntas de teor literário. Lá vai!

1- Existe um livro que leias e releias várias vezes?
Sim – Na verdade são vários, na maioria clássicos de Machado de Assis.

2 - Existe algum livro que começaste a ler, paraste, recomeçaste, tentaste e nunca conseguiste ler até ao fim?
Sim – “O menino do dedo verde” de Maurice Druon. Sempre comecei lê-lo para meus filhos, mas sempre dormiram antes do fim. Não me contem o final, pois ainda vou terminá-lo. rs*

3 - Se escolhesses um livro para o resto da tua vida, qual seria ele?
Concordo com a Malu que esta é uma pergunta difícil. Mas fico neste momento, ciente da incoerência, com “Felicidade Clandestina” da Clarice Lispector.

4 - Que livro gostaria de ter lido, mas que por algum motivo nunca leste?
Nenhum – Sempre que quis ler um livro, o li. Ainda que não chegasse ao fim.

5 - Que livro cuja "cena final" jamais conseguiste esquecer?
Na verdade não é um livro, mas parte de um, a Bíblia. A última conversa de Jacó, Israel, com seus filhos (Gênesis 49).

6 - Tinhas o hábito de ler quando era criança? Se lia, qual era o tipo de leitura?
Sim - Como a grande maioria das crianças quando começam a ler, devorava Monteiro Lobato.

7 - Qual o livro que achaste chato mas ainda assim leste até ao fim? Por quê?
Isto é bem recente. Um livro que achei chato, no expoente da palavra, é “A Cabana”, do Willian Paul Young. Porque os diálogos são entediantes, com um final que em nada tenta explicar seu início. Chato!


8 - Indica alguns dos teus livros preferidos:
- Mito da Caverna (Platão)
- Liberdade Sem Medo, Summerhill (Alexander Sutherland Neill)
- Dinheiro Queimado (Ricardo Piglia)
- Três. Casos policiais de Mário Livramento (Flávio Moreira da Costa)
- A hora da luta (Álvaro Cardoso Gomes)


Alguém mais se habilita ao desafio?

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1 de junho de 2011

Recado aos amigos

Depois de muito ponderar, decidi me aposentar da minha profissão. Estava mentalmente exausto e melancólicamente entediado.

Estou deixando de ser jornalista, mas não blogueiro. Continuarei escrevendo neste blog minhas impressões do que vejo e do que sinto. Afinal, esta foi a razão pela qual iniciei esta página pessoal.

Talvez não venha escrever da mesma forma. O blog certamente refletirá meu novo estado, nada mais natural.

Aviso aos que se preocuparam ou sentiram minha ausência, que estou apenas adaptando-me a meu novo ritmo de vida e que em breve retorno!

Um forte abraço!

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10 de setembro de 2010

A eficácia da ineficiência que existe no Brasil


Que o mundo está diferente, todos sabemos, ou pensamos saber! Ainda há pouco era impensável imaginar que americanos, europeus e japoneses sofreriam com a concorrência de países vistos antes como meros "bolsões de pobreza". Com produção em quantidade e impressionante variedade de produtos e serviços, as cabeças pensantes do mundo (Estados Unidos, Europa e Japão) conseguiram gerar riquezas, via comportamentos, culturas e planos, construindo empreendimentos notáveis que inovando, conquistaram vantagens competitivas, criativas e qualitativas, oferecendo ao mercado global produtos e serviços superiores ao que se produzia no passado.

Porém com a chegada do progresso das comunicações universais e instantâneas, que eles mesmos criaram, o consumidor tornou-se mundial. A inovação ganha na competição, ampliando espaços mercadológicos sobre o tradicional e novos paradigmas vieram para ficar.

Inicialmente a ameaça veio dos "tigres asiáticos", depois entraram China, Coréia do Sul e Índia, e hoje centenas de países batem de frente no mercado com as potências solitárias, até então. Os novos participantes do bolo da produção mundial tomaram a iniciativa e estabeleceram estratégias e parcerias eficazes entre governos e os setores produtivos, envolvendo investidores nacionais e internacionais. Compreenderam que os produtos de maior valor, intensos em componentes e equipamentos, não precisam ser unicamente fabricados com insumos nacionais. Conceberam diferentes infraestruturas humana e material, modificaram o passado via criativas legislações e regulamentos. Enfim, geraram novas posturas políticas, praticaram ações de mudança necessárias para trilhar caminhos do sucesso, criando horizontes de confiança no futuro.


O Brasil vislumbra hoje um futuro promissor. O que antes parecia jargão eterno do "país do futuro", agora parece que esse futuro chegou ou está muito próximo.


Claro que o então governo aproveita-se dos momentos de bonanças para se mantêr no poder, ampliá-lo e conjugá-lo à sua eficiência administrativa. Mas se o governo brasileiro é eficiênte, o que dizer dos governos da Coréia do Sul, da Índia e, principalmente, da China? Seriam eles seres divinos na Terra? Sim, pois esses países crescem à passadas muito maiores que o Brasil. Para eles, o futuro já é presente.


Se existe alguma eficiência no atual governo brasileiro é a de conseguir passar sua ineficiência como uma eficiência divinal e insuperável por qualquer outro.

Se o mundo mudou, será que nós, brasileiros, mudamos? E será que mudamos o suficiente?

23 de agosto de 2010

Encontro casual em Paris

Depois de algum tempo afastado do blog, por necessidade de trabalho, estou de volta.

No tempo em que estive viajando, passei por diversos lugares e conheci muitas pessoas, profissionalmente e interpessoalmente.


Uma das pessoas que mais me chamaram a atenção nesta viagem foi Carla. Uma jovem linda, de corpo invejável, um sorriso encantador, com olhar distante e vazio. Como quase a totalidade dos brasileiros fora daqui, com muita saudade da nossa terra.


Casualmente a encontramos em um restaurante em Paris, enquanto minha esposa e eu esperávamos mesa para jantar. Ao perceber que éramos brasileiros, a garota aproximou-se e se apresentou. Em uma breve conversa, cerca de 20 minutos, disse que era de São Paulo e que trabalhava em Paris há cinco anos. Dissemos que ficaríamos alguns dias na cidade e a convidamos para jantar na noite seguinte.


Ao telefone marcamos o lugar, horário e nos encontramos. Depois de algumas taças de vinho e muita conversa alegre, a jovem nos surpreendeu com o porquê de sua estada em Paris. Ela estava na Europa há cinco anos trabalhando como garota de programa. Mas não uma garota de programa qualquer, fazia programas caros, salientou ela.


Ela nos disse que era paulista, tinha 25 anos e que deixou a casa dos pais no interior do Estado para viver como garota de programa de luxo em Paris. Carla em nada lembra garotas que oferecem sexo por trocados nas ruas e praças. Certamente ninguém que não a conhece imaginaria que a estudante universitária, que mora em um bairro nobre da cidade parisiense, encontrou no próprio corpo uma fonte de renda, uma forma de sustentar-se em uma das cidades mais caras do mundo.


Longe das ruas e livre de cafetões, a paulista de uma família de classe média e estabilizada no Brasil, não conseguiu libertar-se do preconceito que ronda a profissão que escolheu quando tinha 19 anos, não se libertou do preconceito alheio e nem mesmo do seu próprio preconceito. É raro encontrar garotas de programa que dizem a profissão sem demonstrar descontentamento ou mesmo enaltecer o que escolheram.


“Não é fácil conviver com isso. Primeiro porque as pessoas te olham e julgam para depois saber quem é você, se é boa pessoa, se paga as contas em dia. Enfrentar o preconceito é uma coisa difícil, que machuca”, disse Carla, que sonha ter filhos e uma vida que ela mesma considera ‘normal’.


“Com certo tempo, aprende-se a ignorar certas coisas. Hoje não me importo com olhares atravessados. No começo foi um martírio. Se não soubesse o que queria, não teria vencido muitas coisas”, afirma a jovem, que consegue manter uma renda mensal de US$ 30 mil com clientes fixos, fora os programas extras. Ela acrescenta que o mínimo que recebeu por uma hora de programa foi US$ 700,00 e o máximo US$ 5.000 por uma noite.


De certo a jovem não se orgulha da profissão que escolheu por não ser moralmente correta aos padrões sociais. Mas em mais de cinqüenta anos de vida, já vi tantos padrões sociais serem radicalmente alterados e muitos até exterminados, que não me espantaria ver mais um ser aniquilado com o tempo.

Carla me proporcionou um outro lado desta profissão. Fez-me ver que essas profissionais precisam de mais dignidade e menos dedos em riste, lhes dizendo qual a moral a ser seguida. Afinal, se existe oferta é porque existe procura.

7 de julho de 2010

Yoko Ono, os mistérios da senhora Lennon

Há alguns anos em viagem à Nova York encontrei, por um desses acasos da vida, pelas ruas da megametrópole com Yoko Ono, a senhora Lennon. Fiquei admirado, emocionado, comovido.

Na minha frente estava a mulher que conquistou, conviveu e foi amada pelo homem que disse ser mais famoso que Jesus Cristo. Mulher pequena, mas visivelmente forte, de personalidade marcante.

Queria eu entender como um ser como John Lennon havia se apaixonado por alguém como Yoko. Ele que podia ter a mulher que bem lhe entedesse.


Que comentário cruel, mas sejamos honestos, ela nunca foi um monumento à beleza e, sinceramente, ele na posição que estava, poderia ter conseguido mulher mais bonita. Simpatia ela não tinha, o que poderia diferenciá-la, não era. Lennon, que poderia ter um romance com Vênus ou Afrodite, preferiu Yoko. Então meus pensamentos sobre esta mulher que via na minha frente. Meu Deus, o que ela tem? No que ela é especial? Uma mulher pequena, fechada, séria, com cara de mal humorada.

Só eu pensei nisso? Ninguém mais?

Resolvi fragmentar a pessoa, tentar entender. Será que tem um furor sexual desses incontroláveis? Coisa que impressiona os homens, estes seres óbvios? Mas todos eram assim nos anos 60, possibilidade descartada. Yoko era artista, e artistas se seduzem, se entendem. Desisti quando vi as telas pintadas por ela. Será que ela se dava bem com os amigos dele? Isso para os homens é muito importante. Hipótese absurda. Os Beatles se separaram.

Jamais saberei. Mistérios da vida, do amor.



6 de julho de 2010

Saramago por outro ângulo

Retrato sem retoques*

Um homem que sempre foi duro, e até rude, na apreciação das pessoas e das situações, merece mais do que os retratos de circunstância, retocados e adocicados, que têm sido feitos nos últimos dias.

Conheci José Saramago antes de saber quem ele era. O ateliê de arquitetura onde comecei a trabalhar ficava na Rua Viriato – em Lisboa, perto da Praça do Saldanha – e ia muitas vezes almoçar a um restaurante chamado Forno da Brites, que distava uns 100 metros da porta do nosso prédio.


Um dia, pouco depois do 25 de Abril, sentou-se nesse restaurante, na mesa ao lado da minha, um casal. A mulher era loura, bonita, de olhos muito azuis, e o homem era alto, mal encarado, de cabelo comprido na nuca. O almoço daqueles dois seres foi uma autêntica sessão de tortura. O homem falou durante quase toda a refeição, num tom áspero, de quem ralhava, e a mulher ouvia, com ar sofredor. A certa altura começou a chorar, abriu a mala, tirou um lenço e limpou as lágrimas. Mas nem assim o homem se comoveu – e continuou a ralhar no mesmo tom agreste, que durou até ao fim do almoço.


Eu conhecia a mulher de a ver em fotografias: era Isabel da Nóbrega. E aquela cena impressionou-me muito. Quando cheguei a casa contei o episódio a minha mãe, que me disse conhecer bem Isabel da Nóbrega, tendo chegado ambas a sair juntas no tempo em que esta namorava com João Gaspar Simões. E acrescentou:


– O homem que estava com ela devia ser o Saramago… É com quem agora vive.


Nessa altura, eu só tinha ouvido falar vagamente de Saramago. Mas logo a seguir ele começou a ter muito protagonismo, como diretor-adjunto do Diário de Notícias, que se tornara um jornal comunista ortodoxo. Não deixava de ser irônico, aliás, ver um diário que uns meses atrás era quase um órgão oficioso do Estado Novo defender as maravilhas da revolução proletária.


Começaram então a circular histórias de plenários e saneamentos no
Diário Nacional de que Saramago seria o executor, atuando de forma implacável. E, não sabendo eu se eram ou não verdadeiras, tendia a acreditar que sim pela imagem com que dele ficara a partir daquele almoço.

E uma crônica que assinou por essa época na 1ª página, chamada "Esquerdalhos e Pirómanos", publicada no dia seguinte ao assalto à embaixada de Espanha, também me impressionou muito mal. Embora eu estivesse de acordo com a condenação daquele ato de vandalismo, senti-me incomodado com a linguagem usada no texto, os termos grosseiros empregues, o rancor que dali transparecia.


Pouco depois Saramago saiu da direção do
Diário Nacional e deixei de ouvir falar dele. Até à publicação do "Memorial do Convento", que foi um grande acontecimento editorial. Li o livro, como quase toda a gente, e achei algumas páginas notáveis – embora não o tenha acabado. A partir de certa altura a história parecia já não poder ter qualquer novidade.

Isso não me impediu de ler outros, como "A História do Cerco de Lisboa" ou "O Ano da Morte de Ricardo Reis", onde fui consolidando a impressão de se tratar de um bom escritor mas pesado, com uma prosa um tanto mastigada e pouco surpreendente.


Claro que vibrei com a atribuição do Prêmio Nobel, onde pesou a minha costela patriótica – embora na altura Saramago já estivesse fora do país, renegando de certa maneira a nacionalidade.


À medida que José Saramago se ia tornando célebre e mais conhecido, fui confirmando a primeira impressão que retive dele: uma pessoa amarga, zangada com o mundo, pouco simpática e pouco interessante nas suas intervenções públicas. As entrevistas televisivas que ia dando eram sempre baças, destituídas de rasgo, não parecendo a mesma pessoa que escrevia bons livros de ficção.


Um belo dia – já era eu diretor do semanário Expresso – o diretor-adjunto, Joaquim Vieira, veio propor-me que Saramago tivesse uma coluna de opinião na 1ª página. Depois de refletir uns segundos, disse-lhe que não – explicando que, dessa forma, a opinião de Saramago passaria a ser a mais importante do jornal, a mais marcante, o que não fazia sentido, até por ele ser assumidamente comunista.


Teria algum sentido um jornal de matriz liberal ter como principal colunista (sobrepondo-se mesmo ao Editorial) um militante do Partido Comunista?


Contudo, vim a saber mais tarde que essa coluna já lhe tinha sido mais ou menos prometida, pelo que a minha recusa teve um impacto maior, levando Saramago a estabelecer com o Expresso (e em particular comigo) uma relação hostil.


Mas a Clara Ferreira Alves, que era redatora-principal e mantinha com ele uma boa relação, visitando-o mesmo em Lanzarote, ofereceu-se para mediar uma tentativa de reconciliação. Palavra para cá, palavra para lá, ficou combinado que eu lhe falaria.


Telefonei então para Lanzarote. Ele veio ao telefone com ar enfadado e disse-me que uma «reconciliação» com o Expresso passava pelo desmentido de uma notícia saída em 1975 sobre a sua ação no Diário Nacional. Tendo em conta que estávamos em 1994 ou 95, tratava-se de uma notícia com 20 anos!…


Localizei a notícia, que não era mais do que uma local publicada na Gente (uma secção ligeira) onde se escrevia o que toda a gente dizia na época: que, como diretor-adjunto do
Diário Nacional, Saramago tinha um comportamento estalinista. Não encontrei nada na notícia que não fosse voz corrente naquele tempo – pelo que não vi qualquer razão para a desmentir. E foi isto mesmo que comuniquei a Saramago, em cartão que lhe enviei.

A partir daí não houve mais contatos.


Mas continuei a discordar frontalmente das suas intervenções públicas, das suas opiniões e de algumas das suas atitudes.


Senti-me chocado quando verifiquei que, a partir de determinada edição, ele retirou do "Memorial do Convento" a dedicatória à Isabel da Nóbrega. Eu pensava que a dedicatória de um livro era para a vida – mas enganei-me. Muito tempo mais tarde viria a conhecer Isabel da Nóbrega, que me contou episódios a seu respeito de pôr os cabelos em pé, proibindo-me porém de os reproduzir. E Agustina Bessa-Luís dir-me-ia um dia:


– Foi a Isabel que o ensinou a escrever e ele tratou-a tão mal…


O curioso é que Saramago, tratando mal muita gente, se indignava muito quando se sentia mal tratado. Revoltou-se contra Sousa Lara – e o próprio país – por não indicar um livro seu para um prêmio literário. Ora não é verdade que Saramago apoiava o regime soviético, que praticava uma censura feroz sobre tudo o que se publicava?


E a defesa do voto em branco, no "Ensaio Sobre a Lucidez", não soava a vingança contra a democracia? Percebendo que o seu partido, o PCP, nunca ganharia umas eleições, Saramago lançou-se a defender o voto em branco (recuperando um apelo do MFA em 1975), extraindo daí conclusões pouco aceitáveis sobre o esgotamento do regime democrático.


Impressionou-me também quando, numa entrevista, afirmou que não existia o espírito, só a matéria. Então os livros que escreveu são apenas matéria? São combustível para as lareiras? Ou o importante nesses livros (e nos outros todos) não é a matéria de que são feitos mas o espírito que a matéria condensa?


Impressionou-me, ainda, quando contestou o patriotismo a propósito do seu país, ele que tanto defendeu o direito de outros povos à independência…


E não percebi como pôde defender sempre o comunismo, um regime desumano, violento, castrador em todos os lados em que se implantou.


Fez-me confusão ele não ter percebido a importância de uma sociedade plural. Não entender que o comunismo é, pela sua natureza, inimigo da liberdade de pensamento – porque se impõe a partir do Estado, de cima para baixo, e um Estado que detém o poder político, o poder econômico e o poder doutrinário, é de sua própria natureza totalitário.


A democracia só poderá existir, com todos os seus defeitos, numa sociedade descentralizada, em que os poderes estão separados. Os empresários, os banqueiros, os comerciantes, os bispos, os políticos, toda esta gente que Saramago detestava é o que garante a descentralização do poder, o que impede que o poder esteja todo concentrado numa clique que, pela ordem natural das coisas, se torna prepotente.


Nunca um poder concentracionário, não descentralizado, garantirá uma democracia.


Não quero terminar sem uma nota de reconhecimento.


Foi ao SOL [jornal
semanal português] que Saramago deu uma das suas últimas grandes entrevistas e a primeira depois da doença que em 2008 quase o matou. Aquela em que diz que Pilar lhe «deitou a mão à gola do casaco e não o deixou cair no poço». É uma entrevista bela, humana, talvez por se sentir fragilizado e reconhecido à mulher. Aliás, Pilar del Rio foi a única mulher que teve o dom de humanizar Saramago, o levar a ser humilde, grato, doce. Foi talvez a única mulher que ele verdadeiramente amou – e esse sim, foi um amor bonito.

Devo dizer que editei essa entrevista com o maior cuidado. Ela foi justamente capa da nossa revista, a Tabu, e além disso ocupou quase metade da primeira página do jornal.


Sempre lidei assim com as pessoas: o fato de gostar mais ou menos desta ou daquela nunca influenciou o modo como as tratei no plano jornalístico.


Saramago deu-nos a honra de nos conceder uma das suas últimas entrevistas – e nós tratámo-lo o melhor que soubemos e pudemos.


Assim é que deve ser.
Mas não sei se em situação inversa ele faria o mesmo.

*Texto de José António Saraiva, editor do jornal SOL, em 25 de Junho de 2010.