31 de maio de 2010

A festa acabou?

Especialistas já ousam dizer que o País está no limiar de uma tremenda ressaca de crescimento e consumo. Gargalos e contradições nos sistemas produtivos dão sustentação a essa tese. O fator globalização também atuaria num cenário de pessimismo comedido, mas real diante de incertezas. Bolsas na Europa e na Ásia caem ou oscilam arriscadamente, e países ricos impõem medidas severas de contenção de gastos, a exemplo da Inglaterra.

Uma das contradições explica por que o emprego cresce ao lado do desemprego crônico. Não possui o Brasil bases sólidas de ensino tecnológico e profissional para suprir as necessidades de mão-de-obra especializada. Esse descompasso é apenas um entre dezenas, apontados como causa de retração de oferta de bens no exato momento em que são solicitadas maiores quantidades pela procura universalizada.

Menor oferta é apenas um fator de desequilíbrio que pode provocar inflação. A infraestrutura e a logística são outros aspectos negativos. Seriam necessários R$ 800 bilhões para as adequações exigidas. A expansão da base monetária, para financiar a construção civil e a aquisição de bens duráveis como eletrodomésticos e carros, elevou o consumo às alturas. Mas quase tudo financiado e sem segurança de que a inadimplência não aumente nos próximos anos.

São inúmeros os gargalos por onde transita a moderna economia brasileira. Nem as exportações de commodities agrícolas e minerais assegurariam, na visão daqueles que veem o “fim da festa” chegando, os níveis de crescimento atuais. Preparamos a mesa, sentamos e comemos à abastança, mas não nos preocupamos em saber se os meios de produção suportariam a onda de consumo.

Concursos para emprego público com salário inicial de 800 reais inscrevem 250 mil pessoas. Ao mesmo tempo, indústrias congelam a produção por não encontrar pessoal capacitado. Economia assim, marcada por contradições, pode não se sustentar indefinidamente. A primeira consequência está à vista: a inflação tende a aumentar e bater este ano em 6%. Ficará além da meta do BC de 4,5%.

Para frear o consumo, por outro lado, será necessário aumentar os juros básicos do Banco Central. É o remédio mais usual em tais situações. Isso, num país que é o terceiro maior do mundo em carga tributária, seria desastroso. E, em ano eleitoral, para evitar que isso aconteça, a inflação poderia ser refreada artificialmente, o que seria um desastre maior ainda.

O consumo foi estimulado ao máximo, usando-se artificialidades. Uma delas, vender a quem não tem capacidade financeira e que poderá se tornar inadimplente dentro de pouco tempo, afetando os bancos. As crises atuais, americana ou não, tiveram na base a elasticidade do crédito e o consumo indiscriminado.

Os que pensam em insolvências prestes a acontecer não são arautos do derrotismo. Enxergam, porém, aquilo que ninguém quer ver. Nem o governo, nem os empresários. Ao seu modo, todos se beneficiam do consumo superaquecido. A economia sustentável que pensamos ter pode ser uma ficção, conforme as teses centradas sobre gargalos e contradições. Dia 25 houve mobilização nacional contra os impostos exagerados praticados no País. Cada trabalhador despende rendimentos de quatro ou cinco meses por ano só para pagar imposto.

Efeitos dos descompassos produzem um perfil incomum de economia vigorosa que atua sobre plataformas enfraquecidas. Não há um critério uniforme de sustentabilidade econômica. Nem a candidata oficial Dilma Rousseff consegue fazer proselitismo sem combater a carga tributária. Ou as más condições das estradas e de toda a infraestrutura. Em debate promovido pela CNI entre os candidatos, foi obrigada a reconhecer os gargalos e as contradições da economia. E o uso político.

O distanciamento entre o que foi feito e o que se deixou de fazer, por leniência ou inércia, despreparo ou falta de planejamento gerou valas profundas impossíveis de solução no curto prazo.

Teremos uma campanha eleitoral na qual as forças políticas contrárias terão elementos de sobra para exaltação, condenação e crítica. E o Brasil permanecerá na situação de emergente por mais tempo, até superar seus problemas cruciais. Aí, então, poderá reivindicar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. E opinar com legitimidade em questões nucleares como a do Irã.

Texto de
Henrique Duarte, jornalista.

Um comentário:

  1. Estamos realmente no limiar ... alguma coisa precisa ser feita urgente ....

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